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A PANDEMIA E O CONTRATE DA FÉ: A RELIGIÃO COMO REFÚGIO E O DECLÍNIO DA CRENÇA NO BRASIL





(Paróquia Sagrado Coração de Jesus - Foto: Elissandra Silva)



As restrições impostas pela pandemia aos cultos religiosos terão pouca influência no fenômeno que mais motiva católicos no Brasil. Isso porque ele ocorre fora dos templos e dos seus ritos. O pesquisador Flávio Sofiati, especialista em Sociologia das Religiões e professor da Universidade Federal de Goiás, explicou que a resposta dos fiéis à crise de estrutura das paróquias e da forma de organização das dioceses não é o catolicismo oficial, do clero, dos padres, bispos, diáconos, “mas um catolicismo mais comunitário, ligado aos carismáticos, ou ligado à teoria da libertação, que se relaciona com os movimentos sociais que atuam fora da Igreja Católica”.


Muito antes do esvaziamento dos templos, em decorrência da Covid-19, a Igreja Católica já enfrentava um processo de esvaziamento de fiéis. Segundo o Censo Demográfico Brasileiro de 2010, o catolicismo perdeu fiéis principalmente para as igrejas pentecostais, que hoje representam a segunda maior religião no país. As pentecostais de maior expressão são as Assembleias de Deus, a Congregação Cristã no Brasil e a Igreja Universal do Reino de Deus. Os brasileiros filiados a essa religião saltaram de 3%, nos anos de 1980, para 11% da população, em 2000.


O evangelismo é o movimento religioso que mais cresce no país, presente na mídia, na televisão e no rádio. Com um alto poder aquisitivo, a Igreja Evangélica investe pesado em meios de comunicação, comprando espaços em televisão aberta para falar com o seu público. Entretanto, esta representatividade, quando posta em números, ainda é muito pequena. Isso porque a Igreja evangélica mais populosa é a Assembleia de Deus, com 12 milhões de crentes, o que é somente 10% do que têm o catolicismo no Brasil.



- Até 1970, cerca de 92% dos brasileiros se declaravam católicos. A partir dos anos 2000, houve uma redução acentuada. Pela primeira vez, com o Censo de 2010, há dados que revelam não apenas uma diminuição em relação ao percentual, mas do número absoluto de fiéis. No caso católico, fica muito evidente quando as pesquisas qualitativas demonstram um abandono da prática de ir à missa aos domingos - destaca Sofiati.


(Professor Flávio Sofiati - Foto: Letícia Coqueiro)


Com o adiamento do Censo de 2020 para o ano que vem, não se sabe o que mudou no catolicismo hoje. A auxiliar de sacerdote Emília Oliveira, da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, na Glória, Rio de Janeiro, garante que a fé tem sido um ponto de apoio fundamental na pandemia. Ela conta que, mesmo quando assistia aos cultos de casa, observava uma interação bem grande dos fiéis nas transmissões online das missas.


- Inicialmente [os cultos] tinha um bom retorno, muitos com dificuldades, mas tinha. Os meses foram passando e a quantidade de pessoas participando cresceu exponencialmente. Os acessos triplicaram. Hoje em dia nem tanto, pois há inúmeras possibilidades de ver a missa, não só a da sua paróquia - disse Emília.

A auxiliar de sacerdote relembra os diversos pedidos de oração tanto para o fiel, quanto para as famílias, requerendo por saúde e discernimento em um momento de colapso da saúde pública do país:


- Partindo da minha experiência pessoal, vimos a quantidade de pessoas com problemas psicológicos por causa do isolamento e que conseguiu na igreja se sentir seguro para ir e além de alimentar a fé, alimentando também a saúde mental. A Igreja é mais que um ambiente de fé, é um ponto de apoio, hospital de campanha para as almas cansadas e deprimidas.

O decreto de abertura das igrejas como um todo foi recebido com alegria pela cristã, que mesmo acompanhando as missas de casa, pelo sistema remoto, não sentia ser a mesma coisa. Para ela, estar dentro do ambiente religioso é muito importante, principalmente pelo momento da Eucaristia - ritual que lembra a morte na Cruz e a ressurreição de Jesus, onde os fiéis ingerem um pão e bebem um pouco de vinho que representam o corpo e o sangue de Cristo, e é oferecido pelo padre como alimento da alma.


O Brasil vive uma 2° onda da pandemia do Covid-19. Muito embora os governos locais já estivessem afrouxando as medidas de isolamento social nas cidades, com abertura das igrejas, shoppings, praias e comércios de rua, a nova onda da doença mostra o perigo que o vírus, e suas variantes, ainda causam à população.


Com a ameaça de uma 3° onda chegando em junho – de acordo com especialistas epidemiologistas –, que se reflete diretamente no sistema de saúde, uma vez que voltam a estar sobrecarregados, com os leitos nas Unidades de Terapia Intensivas (UTI) com mais 85% de lotação, nos hospitais públicos e particulares dos grandes centros, acredita-se que novas medidas de isolamento social serão adotadas pelos governos.


E uma das entidades que podem ser fechadas, novamente, são as religiosas: igrejas, templos, centros espiritas, entre outros. Isso porque com a concentração de pessoas em busca da fé, pode causar perigo entre os fiéis com a propagação do vírus. Mas, Emília acredita que a Igreja, atualmente, é um dos lugares mais seguros para o convívio social, uma vez que a instituição está respeitando todas a medidas de higienização e distanciamento exigidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS).


- Seguir os protocolos é fundamental, como em qualquer outro lugar. Não é permitido a entrada na paroquia sem máscara, não excedemos o número de pessoas e respeitamos o distanciamento. Nós somos Igreja e como igreja devemos ser os primeiros a dar o exemplo nas necessidades do nosso tempo. No Rio, o Cardeal Dom Orani é uma liderança muito consciente e obediente, há inúmeros direcionamentos dele para sermos fiéis aos protocolos. ”, pontua Emília.

A Paróquia Sagrado Coração de Jesus tem capacidade para 250 pessoas. Entretanto, para cumprir os protocolos de segurança exigidos pela Organização Mundial da Saúde e dos governos locais, a igreja só disponibiliza 30 lugares para as missas presenciais. Além de seguir fielmente os direcionamentos da liderança religiosa do Rio de Janeiro, Cardeal Dom Orani, que exige uma equipe aferindo a temperatura e distribuindo álcool em gel nos fiéis que chegam para as celebrações. Ao final das missas, esta mesma equipe faz a higienização dos bancos da igreja com produtos de limpeza.


(Distanciamento na Paróquia Sagrado Coração de Jesus - Foto: Elissandra Silva)


De acordo com a sacerdote, na Igreja Católica as comunidades são vivas, ativas, e a primeira dificuldade do retorno presencial para além da adesão, que já era esperado, foi a frieza entre os fiéis. Isso porque para não descumprirem as regras de distanciamento, e movidos pelo medo de contagio, não se tem mais o toque entre as pessoas. Emília acredita que o toque é muito importante nas celebrações, pois os abraços e apertos de mão fidelizam o encontro da fé uns com os outros. Mas também concorda que é importante, neste momento, evitar o contato entre as pessoas.


O Censo de 2010, feito há mais de uma década, também mostrou crescimento no número de brasileiros que se consideram sem nenhuma religião. Em 1980, cerca de 1,5% da população declaravam não ter religião, este número sobe para 8% em 2010. O pesquisador acredita que este declínio na crença entre os fiéis está diretamente ligado a insatisfação com a instituição religiosa que pertence.


Mas apesar da expansão do evangelismo e do crescimento do público que não possui filiação religiosa ou não tem nenhum comprometimento com a instituição da Igreja, o catolicismo continua sendo a religião com mais números de fiéis no país. O Brasil é a maior nação católica do mundo e abriga metade dos fiéis da América Latina, com mais de 145 milhões de pessoas declaradas adeptas da religião.

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