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INSEGURANÇAS E INCERTEZAS NA PANDEMIA MUDAM A RELAÇÃO DE JOVENS COM DIFERENTES RELIGIÕES

O momento marcou uma reaproximação com as religiosidade e também a necessidade de buscar uma nova fé



Em mais de um ano de pandemia, com um número de mortes cada vez mais alto, novas variantes e poucas vacinas sendo aplicadas na população, o sentimento de insegurança e medo ainda é forte, principalmente para os jovens. A estudante de Relações Internacionais Lara Carvalho, de 20 anos, encontrou em sua fé o conforto que precisava neste momento. A jovem é adepta do espiritismo, tendo crescido em uma família kardecista, e aproveitou o período de quarentena para aprofundar seus conhecimentos sobre a doutrina apresentada por Allan Kardec. Além de passar a ler mais sobre o tema, ela passou a participar de forma mais ativa das atividades e projetos do Centro Espírita.


Lara acredita que sua geração passou a procurar uma reaproximação com a fé ou uma forma de se conectar com o sagrado durante a pandemia por conta da sensação de impotência. Enquanto 2020 foi dedicado ao estudo, o ano de 2021 é considerado pela universitária a “a prova de fogo” de sua crença. Ela lembra que nunca precisou tanto da força de sua espiritualidade como nos 14 dias que passou confinada em seu quarto após testar positivo em fevereiro. Sem um tratamento para a doença, Lara conta que remediou a situação por meio de pensamentos positivos e orações para que ela não precisasse ir ao hospital.


Não tem remédio, tratamento médico ou homeopatia que cure a Covid, eu tomava medicações de acordo com os meus sintomas, mas era uma situação que eu não podia fazer nada além de orar e pedir que isso passasse logo. A minha fé foi como um bote salva-vidas nesses dias.

A estudante de Psicologia Débora Oliveira, de 18 anos, é evangélica, e também teve na sua religião o porto seguro que precisava quando a mãe, enfermeira da linha de frente, foi diagnosticada no início da pandemia no Rio, em abril de 2020. Sem poder frequentar os cultos presencialmente, ela precisou descobrir novas formas de se conectar com Deus e encontrar conforto e disse que sua fé se fortaleceu muito neste momento. Após a recuperação de sua mãe, a jovem relatou que se voluntariou para participar da equipe multimídia da Igreja para ajudar a transmitir os cultos para quem precisassem da força da religião.


A equipe multimídia me deu uma sensação de propósito. É também uma forma de me sentir próxima de Deus e das pessoas da Igreja, que eu via toda semana. Então, depois de conversar com os meus pais, eu voltei à Igreja, depois de seis meses, de máscara e sem poder abraçar, mas sentindo que por meio de cada transmissão eu ajudava a levar o carinho de Deus para quem está em casa.

A professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Sílvia Fernandes, especialista em Sociologia da Religião, explicou que as pessoas que fazem parte de alguma religião ou religiosidade não se sentem tão desamparadas em situações como a da pandemia do novo coronavírus porque a crença atua como uma fonte de segurança.


Os que creem costumam criar um tipo de depósito que pode amenizar a própria angústia diante da morte ou da possibilidade de morte iminente, seja de si mesmo, seja de entes queridos. Isso expressa o eterno dilema humano diante da finitude. Outro ponto é a crença de que outra vida pode existir, isso traz certo apaziguamento e ajuda a lidar com as perdas.

O umbandista e estudante de administração Júlio Souza, de 22 anos, confessou que os meses de lockdown foram difíceis porque, além do cenário de incerteza, ele não podia ir até o lugar onde sempre encontrou apoio, a gira em Maria da Graça, Zona Norte do Rio. Para Júlio, foi um momento de autoconhecimento e princípios básicos da religião de matriz africana, como a crença no carma e na imortalidade da alma, o ajudaram a manter a calma.


Eu aprendi duas coisas muito importantes sobre mim nessa pandemia. A primeira é que minha crença é minha, por mais que eu sinta falta da gira ela não é um fator essencial. A segunda coisa é que que sem a minha fé, eu não sou. A umbanda sou eu.

PERSONALIZAÇÃO DA RELIGIOSIDADE


Além dos casos de reaproximação, existem também os jovens que buscaram experimentar crenças diferentes. Para a professora Sílvia Fernandes, essas pessoas seguem uma tendência atual de construir a própria experiência espiritual, sem necessariamente estabelecer vínculos. Segundo ela, os jovens adicionam valores independentes daqueles que lhes são atribuídos pelas instituições sagradas às distintas expressões religiosas.


A oportunidade de construção da própria experiência religiosa é a realidade da vestibulanda Maria Antônia Maia, de 19 anos, que passou a adotar práticas hinduístas depois que começou a frequentar aulas de yoga. A estudante se interessou pela fé hindu após conversas com a professora. A partir daí, ela começou a pesquisar sobre o que pregava o hinduísmo e se identificou com o resultado de suas pesquisas. Além da yoga, Maria Antônia aderiu à prática da meditação e parou de consumir carne, pretende ainda cortar todos os produtos de origem animal no futuro.


Eu sinto que passei a me conectar mais com o mundo e o sagrado desde que comecei a mudar alguns hábitos. Mas eu ainda estou experimentando, sem compromisso, não sei se quero me converter a religião, e acho que esse não é o ponto, o ponto é ser algo que me faz bem e me faz ser uma pessoa melhor.

A estudante de jornalismo Carolina Murad, de 23 anos, se declara budista mas não se considera muito religiosa. Ela explicou que sua proximidade com o budismo é por este ser, além de uma religião, uma filosofia de vida alinhada com suas crenças pessoais. A universitária se considera moderada no que diz respeito à religião, mas que hábitos como meditação e mantras são constantes em sua vida, especialmente na pandemia.

Eu acho que religiosidade é uma coisa muito pessoal. Até porque eu acredito que existem muitas pessoas que não são religiosas mas que têm muita fé e esperança. No meu caso, a questão passa mais por isso também. E nesse momento de pandemia é algo quase que natural e intuitivo para mim buscar conforto nas práticas. Recitar mantras, por exemplo, ajuda a me acalmar.

MUDANÇA DE FÉ


A pandemia também motivou jovens a procurarem religiões diferentes daquelas em que foram criados. O estudante de cinema Victor Sauerbronn, de 21 anos, cresceu em uma família cardecista, mas nunca se considerou espírita. Em 2020, ao cursar a disciplina de “Ética Cristã”, o universitário se identificou com alguns trechos da Bíblia e resolveu pesquisar mais sobre as doutrinas católicas, tanto a romana como a ortodoxa. O universitário encontrou o canal de um padre no YouTube que auxiliou na resposta de muitas dúvidas e, também, o ajudaram, junto com muita leitura sobre o catolicismo, a ter certeza de que a sua fé é a fé católica.

Hoje a minha relação com a religião é estritamente sob a ótica da doutrina católica. Rezo todos os dias e procuro estar sempre consumindo com frequência vídeos, artigos e livros sobre questões da doutrina católica para aprofundar meus conhecimentos.

A estudante de jornalismo Maria Eduarda Jerke, de 19 anos, também cresceu em uma família católica, mas passou a se definir como agnóstica nos últimos anos. Com o confinamento, ela sentiu a necessidade de buscar uma religião que conseguisse se identificar e procurou pesquisar sobre diferentes doutrinas. A futura jornalista, que sempre sentiu uma conexão forte com o judaísmo por já ter assistido diversos filmes e séries que envolvem a religião, relatou que após conversar com algumas pessoas judias na internet decidiu de converter.

Eu comecei a estudar sem a pressão de ter que me converter. A conversão não é um processo fácil porque no judaísmo eles não querem quantidade, eles querem uma pessoa que realmente queira aquilo. Mas, eu decidi que era o que eu buscava, então entrei em contato com uma sinagoga para fazer o curso de conversão. O curso deve começar no final desse semestre, então, no momento, eu sigo com os meus estudos de forma autônoma.
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