Sala de aula vazia por causa do migração para o ensino à distância. Foto: Micaela Orikasa
Os códigos e símbolos transmitidos entre aluno e professor guiam a educação. Presencialmente ou remotamente, há uma interação entre alunos e professores, no entanto, o ensino à distância dificulta a sensibilidade do professor de perceber os sinais corporais, físicos e emocionais que o aluno dá para guiar a educação. “No presencial, eu, às vezes, consigo perceber se o aluno compreendeu o que eu disse, se ele faz uma cara de ‘me perdi’ ou ‘não entendi’ ou se ele está disperso.”, conta a professora Ana Lúcia. “Nem sempre a gente percebe o que está vindo ali como resposta do aluno, mas ainda sim, presencialmente, isso fica mais claro, mais possível. Existem sinais que os alunos dão no presencial que remotamente fogem e que você não capta.”, ela continua.
Como o trabalho do professor é guiado por essa socialização presencial com os alunos, a mudança abrupta da sala de aula para as reuniões virtuais ou para conteúdos gravados afasta aluno e professor segundo a professora do curso de Formação de Professores da UERJ Rita Leal. “Os professores sentem muita falta de estar olhando no olho do aluno para entender o que está acontecendo ou de estar acompanhado o aluno dentro de sala de aula e pelo gestual, pelo corpo, pela postura conseguir ler o aluno de uma forma que ensinar seja mais efetivo”, afirma.
É a partir dos nuances da linguagem corporal do aluno que os professores entendem se devem continuar o conteúdo ou não, se ele tem dúvidas, se ele compreendeu o que foi dito e se os alunos estão entediados ou animados com a aula. Essa ausência da troca presencial é potencializada pelo uso ou não de câmeras por parte do aluno.
“Há uma solidão que atravessa o trabalho do professor no ensino remoto. Ela se aplica quando você liga seu computador para dar uma aula e vem só uma tela preta e nomezinhos lá e ninguém aparece ou aparece e logo em seguida some. Dá uma certa sensação de esvaziamento, de “será que eu estou falando para tela?”. A tela fechada tira os indícios de quem está com a atenção assegurada, porque atrás da tela preta você não sabe dizer o que está acontecendo”, afirma Rita Leal.
Para a professora Ana Lúcia, além da preocupação em estar fazendo um monólogo sozinha, há também uma preocupação em não ter um retorno do aluno de como ele está recebendo aquele conteúdo e essa falta de retorno para ela é indício de um problema. “Eu não tenho aquele retorno e isso me preocupa porque eu sei que ali mora um problema ou porque o aluno é tímido demais e, se ele é tímido, não vai tirar dúvida e, não tirando dúvida, ele não vai compreender o que foi dito e assim as dúvidas se acumulam e se avolumam.”
A sensação de solidão do professor também é disparada, segundo Rita Leal, quando o professor sente que não está administrando bem seu processo, quando, por exemplo, a resposta que os alunos dão de trabalho, de participação e de entusiamo, não chega. Para a professora Ana Patrícia, a falta de interação com os alunos e a dificuldade de entregar aulas do jeito que ela sabe que consegue tiveram um impacto grande na sua saúde mental.
“No começo, eu tive muitas crises de ansiedade, eu chorei muito porque eu não estava conseguindo explicar da forma que eu sabia que eu podia explicar. Eu sabia que a qualidade da minha aula estava muito inferior. Eu também ficava muito angustiada com os feedbacks dos alunos que não estavam conseguindo acompanhar a aula. A minha carga de trabalho triplicou, porque eu tinha que preparar as aulas de uma forma que eu nunca tinha preparado antes, tinha que lidar com toda essa parte tecnológica, lidar com o desconforto de falar para uma câmera. Eu tinha que gravar aulas e aulas e aulas e, às vezes, descartar o conteúdo porque não tinha ficado claro. Então, eu fiquei com muitoansiedade, inclusive tive que fazer mais sessões de terapia e tomar remédio para ansiedade.”, conta.
Segundo Ana Patrícia, ela não é a única que sentiu as consequências do ensino remoto na saúde mental. “O relato que eu tenho de vários colegas é de muita solidão e também de muita ansiedade e de vários casos de depressão de colegas que não tinham isso antes.”, afirma.
Um dos fatores que potencializa a fragilidade da saúde mental dos professores é a sobrecarga de trabalho. Segundo Rita Leal, o modelo remoto dilata o tempo de trabalho do professor, já que ele precisa preparar e dar uma aula ao vivo ao mesmo tempo em que precisa monitorar a produção e a dificuldade dos alunos de uma forma nova e também aprender a usar novas tecnologias para produzir conteúdo.
"O professor saiu da condição de professor que trabalhava com textos e eventualmente alguma tecnologia, mas que de repente teve que se reinventar, teve que aprender a fazer um vídeo, a gravar um podcast, tem que fazer roteiro. Ele teve que descobrir habilidades e isso dependendo da intimidade que esse professor já tinha construído com a tecnologia, o grau de dificuldade vai do mais simples ao mais difícil.”, conta a educadora.
Para a professora Ana Lúcia Castro, que é professora horista de três escolas, a sobrecarga ficou ainda mais evidente já que cada escola adotou uma plataforma diferente. “São senhas, são logins, são treinamentos, são funcionamentos, são layouts, todos distintos. Então, de uma forma geral, os professores tiveram que fazer esse processo de aprendizagem diferentemente em diferentes escolas. Isso significou um aumento da demanda de tempo de trabalho no nosso horário que não foi remunerado. A gente aprendia na reunião da escola, como se fossem oficinais, mas a gente ia futucar sozinhos em casa, usando nosso horário de lazer e descanso.”, ela conta.
Para Rita Leal, é preciso também fazer uma reflexão sobre classe quando surge a discussão da sobrecarga de trabalho do professor com a inserção forçada da tecnologia em suas rotinas.
“Um outro fator que é muito importante e que trouxe muito desespero, é a questão do próprio acesso mesmo, das condições de acesso. Você tem realidades muito diversas, você tem professores que conseguiram montar um estúdio quase dentro do quarto, e professores que dividem o celular e na hora que tem que fazer algo vão ao banheiro, porque além de dividir o celular divide os espaços da casa. Essa diferença das condições de acesso ficou muito evidente com a urgência de se reinventar. Então, dependendo do lugar que você ocupa na sociedade, se você tem mais recurso ou menos recurso, o pânico e o desespero foi maior e também o desânimo diante de tanta impossibilidade.”, completa a educadora.
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