Enquanto a ciência avança, grupos contra vacinação crescem em contramedida e levantam debate sobre imunização coletiva
Movimento antivacina pode causar estragos na cobertura vacinal brasileira e responsáveis por disseminar notícias sobre as vacinas lucra com um cenário de desinformação, aponta Luiz Carlos Dias, titular da Academia Brasileira de Ciência e membro da Força-Tarefa da UNICAMP no combate à Covid-19. Em 2019, a Sociedade Brasileira de Imunizações divulgou uma pesquisa na qual indicava: 67% dos brasileiros acreditavam em alguma informação falsa sobre as vacinas, e o índice era maior entre os indivíduos que tinham como principal fonte de informação as plataformas digitais. Esses dados e a declaração do pós-doutor em Harvard indicam um sistema especializado em propagar desinformação sobre as vacinas.
O receio da comunidade científica é que a disseminação de fake news possa causar estragos na cobertura vacinal de outros calendários, incluindo os infantis. A gente observa muita movimentação de fake news sobre as vacinas. E isso é um ativismo para quem espalha isso, porque eles ganham dinheiro, fazem palestras, vendem livros, vendem cursos, isso é um negócio. Esse sistema influencia muitas pessoas da sociedade na tomada de decisão sobre tomar ou não as vacinas. Muitas têm dúvidas honestas, mas tem gente que é hesitante, que pode ser influenciada por esses movimentos.
Para Dias, o fortalecimento desse movimento se dá graças ao negacionismo e medidas relacionadas a ele, como não acreditar no vírus, negar o uso de máscara, negar a importância do distanciamento social, ou mesmo não levar a pandemia com a gravidade devida. O obscurantismo e a negação da ciência fazem parte do motor de um movimento antivacina, afirma o pesquisador.
A ciência não faz parte da visão de mundo dos antivacinas. E, como a ciência não faz parte, qualquer argumento técnico é ignorado, porque a ignorância reina com extremismo religioso e populismo. Esse grupo afronta a ciência e coloca vidas em risco, além de prestar um enorme desserviço para a saúde pública.
A doutora em Biociências e Fisiopatologia pela Universidade Estadual de Maringá Letícia Sarturi compõe a União Pró-Vacina, iniciativa articulada em 2019 com o objetivo de reunir instituições para lidar com a queda dos índices vacinais no Brasil. Ela destaca que o fortalecimento do movimento antivacina no Brasil foi uma forma de impor uma ideologia de imunidade de rebanho por infecção aos cidadãos.
A população que não quer se vacinar, acaba se infectando. E, segundo a ideologia da imunidade de rebanho, quanto mais pessoas se infectam mais rápido acaba a pandemia. Mas essa ideologia não tem fundamento científico, além de expor as pessoas ao risco de morte e sequelas da doença. Os governantes acreditam que estão economizando com vacinas, quando se tem crescimento de movimentos antivacina. Acreditam que a ideologia de imunidade de rebanho pela infecção pode salvar a economia. Porém, os dados mostram o oposto.
Para a professora do Instituto de Ciências da Saúde na Universidade Paulista, os grupos antivacina estão ligados aos movimentos negacionistas. Contudo, algumas pessoas desses movimentos chegam a acreditar na ciência, mas usam de dados e resultados falsos para justificar o próprio viés antivacina, ela ressalta.
O estopim para o crescimento das comunidades antivacina foi em 1998, com a publicação de um estudo na conceituada revista de ciência “The Lancet”, na qual associava a vacina tríplice viral ao autismo. Em um estudo feito com 12 crianças, os pesquisadores afirmaram que o sistema imune das delas havia sofrido uma sobrecarga com a imunização e isso desencadeou o autismo, conta a divulgadora científica. O médico pesquisador Andrew Wakefield, envolvido no estudo, foi desmascarado e, em 2010, apesar da revista “The Lancet” ter removido o artigo de suas publicações, o estrago já tinha sido feito, finaliza a doutora Letícia Sarturi.
Segundo o jornalista com mestrado em divulgação científica Wagner Barbosa, o público antivacina é muito heterogêneo, porque vai desde pessoas negacionistas da vacina pela questão da fé, passa por pessoas com medo das vacinas, pelas pessoas não-entendedoras da ciência e também pelas pessoas que usam isso com motivações ideológicas, como acreditar em terapias naturais sem comprovação.
A única forma de reverter esse quadro é investir em educação para a ciência. No Brasil e no exterior, as pessoas, de maneira geral, não compreendem muito bem a função da ciência e do cientista e não entendem, portanto, como funciona o método científico. A questão do movimento antivacina passa por esse déficit sobre como opera a função social da ciência e dos cientistas.
Wagner - membro da Câmara Técnica de Informação e Comunicação da Fiocruz entre 1995 e 2017 - identifica que esse cenário de dúvidas, incertezas e medos decorre da falta de informação, da falta de educação e de um debate qualificado. Isso gera não só a criação de fake news, propiciando a incompreensão da vacina, como também deixa pessoas suscetíveis a acreditarem nessas mentiras, conclui.
O membro da Força-Tarefa da UNICAMP no combate à Covid-19 Luiz Carlos Dias aponta uma rota para o enfraquecimento de movimentos de desinformação: produzir conteúdos mais simples, com o intuito de atingir pessoas leigas.
Precisamos urgentemente acertar o ponto de encantamento das fake news. É um Trabalho desafiador que depende da organização de vários setores. As pessoas precisam entender que curas milagrosas não existem, parece que as coisas que acontecem hoje aproximam a gente ao início do século XX. Estamos em um cabo de guerra entre ciência e pseudociência e devemos ficar do lado do povo, que está jogado às traças.
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